Natureza em ambientes internos e efeitos restauradores
Esta semana minhas reflexões, para este último texto do ano, foram instigadas por uma série de artigos que li. Com o aumento de casos de coronavírus, medidas mais restritivas voltaram a ser adotadas pelas autoridades em diversos estados no país. A recomendação de permanecer em casa e sair apenas para atividades essenciais voltou a ganhar força nos noticiários, mas não necessariamente na vida das pessoas, por se tratar de uma época de festas, pelo cansaço frente à pandemia, pela “normalização” das mortes... Números aos quais a população parece já ter se acostumado, tais como o número de mortos diários no trânsito, em assaltos, mulheres vítimas de violência e por aí vai...
Como se trata de uma doença sem padrão bem estabelecido, fica mais difícil as pessoas se enquadrarem em critérios de risco a partir de uma autoavaliação e da realidade pessoal em que cada um se insere. Isso é um fato.
Somado a isso há uma sobrecarga de notícias sobre a pandemia, a ansiedade acumulada ao longo dos meses, as mudanças na rotina de trabalho, das escolas, dos relacionamentos, a espera pela vacina, fatores esses que geram estresse, e que se tornam agravantes por não termos uma data prevista sobre quando toda essa situação irá terminar. Tudo isso em meio a menos contato com o ambiente externo, ar fresco, luz natural, menos contato com a natureza, mesmo aquela, já limitada para quem vive em grandes centros urbanos.
No isolamento social, o que vimos foi a tecnologia ganhar espaço, para o bem e para o mal. Por um lado, possibilitou que pessoas pudessem manter um contato social, mantendo as mais vulneráveis, como os idosos, mais preservados, mas em comunicação com pessoas significativas. Possibilitou que alunos continuassem a estudar, que o trabalho remoto pudesse se desenvolver, permitiu a realização de eventos online (científicos, culturais e sociais), assim como vimos nossas vidas serem inundadas por lives que proliferaram exponencialmente, sobre os temas mais diversos, em uma agenda quase que insana. Digo insana, porque para a Associação Brasileira de Psiquiatria, um novo fenômeno vem sendo considerado em termos de saúde mental, a chamada “fadiga do zoom”, que gerou um aumento da prescrição de psicotrópicos decorrentes do elevado número de queixas decorrentes do excesso de trabalho por videoconferência e encontros virtuais.
As casas, antes tidas como um refúgio de descanso após um dia estafante de atividades perdeu seus limites. Os horários perderam seus limites, a privacidade, de certa forma, perdeu seu limite. Sem tempos de deslocamentos entre uma reunião e outra, o tempo em frente a uma tela, ainda que não medido, com certeza passou a extrapolar a média estimada há quase uma década, de mais de sete horas e meia por dia, para indivíduos entre 8 e 18 anos em relação ao uso de um ou mais tipos de mídia (TV, telefones celulares, computadores), e em número maior ainda de horas para os adultos. Sem dúvidas, isso há que ter um impacto sobre nossa saúde, ainda que não saibamos estimar exatamente a sua magnitude e a melhor forma de lidar com essa situação para prevenir ou se recuperar dos eventuais prejuízos. Mas os estudos sobre a natureza parecem apontar um caminho.
Pesquisadores já demonstraram que quatro dias de imersão na natureza e a correspondente desconexão de multimídia e tecnologia aumentam o desempenho em uma tarefa criativa de solução de problemas. Mas agora, com as viagens de lazer comprometidas, com os diversos tipos de confinamento, com a superexposição à tecnologia (em que desconectar parece praticamente impossível), qual seria então, uma alternativa para restaurar a atenção e diminuir a fadiga mental?
O artigo que quero aprofundar neste texto foi publicado um mês antes da partida oficial da cronologia da pandemia iniciada na China. Falo isso apenas para demonstrar que a ciência (e o investimento nela) tem sempre que se antecipar aos eventos, principalmente no que tange à saúde, para que a tempo e hora adequados possa cumprir seu papel. Vamos lá, trata-se de uma revisão sistemática (considerado o melhor nível de evidência científica) sobre os benefícios de se observar a natureza em ambientes internos, por meio da estimulação visual de elementos ou representações da natureza. Trinta e sete artigos que compõem essa revisão foram analisados sintetizando evidências dos efeitos fisiológicos e benéficos da visão da natureza.
A maioria dos estudos que utilizou estímulos de exibição, como fotos, imagens 3D, realidade virtual e vídeos de paisagens naturais, confirmou que a visualização de cenários naturais levou a respostas corporais mais relaxadas do que visualizar outros objetos não relacionados à natureza utilizados como controle. Estudos que usaram estímulos reais da natureza relataram que o contato visual com flores, plantas verdes e materiais de madeira também resultaram em efeitos positivos nas atividades cerebrais. Assim como as pessoas relatam se sentir relaxadas em ambientes florestais, como indicam os estudos sobre banhos de floresta japoneses, benefícios semelhantes foram observados imediatamente quando expostas a ambientes internos de floresta como árvores e visão de vegetação circundantes, ainda que contempladas a partir de uma grande tela de plasma. Efeitos restauradores sobre frequência cardíaca foram revelados de forma mais significativa quando estudantes universitários observaram duas cenas que mostravam um gramado sem pessoas e um pequeno lago em comparação com uma cena de praça pavimentada com ou sem pessoas. Mesmo cenas urbanas verdes foram capazes de reduzir estresse de estudantes universitários submetidos a uma tarefa estressante. Isso demonstra que fotografias ou cenas de realidade virtual (VR) de natureza, apresentam potenciais efeitos restauradores, como a desativação de áreas visuais e atencionais do cérebro com consequente alívio do estresse.
Observar plantas verdes, como plantas de folhagem, em um ambiente interno pode promover resultados de saúde positivos com maior estabilização da atividade do nosso cérebro, produzindo sensação de relaxamento. Flores frescas também produzem maiores resultados do que flores artificiais em parâmetros fisiológicos emitidos pelo corpo compatíveis com relaxamento. Isso fala a favor de uma qualidade do estímulo que é reconhecida pelo cérebro.
Os autores, entretanto, chamam a atenção para as limitações desta revisão sistemática indicando que para generalizar os efeitos da natureza, é necessário comparar ambientes naturais e não naturais em geral, o que ainda tem sido pouco explorado. Além do que, a maioria dos artigos apresentados na análise utilizou amostras pequenas, ou seja, as pesquisas foram conduzidas, com pequeno número de participantes. Na minha análise, outra limitação do estudo diz respeito ao fato das medidas fisiológicas terem sido discutidas de forma isolada, sem considerar as questões afetivas que envolvem a contemplação da natureza, real ou não, em ambientes internos e que pode influenciar os efeitos observados.
Pensando em como transpor achados científicos de estudos, como os mencionados, realizados em condições experimentais para a vida real, podemos imaginar que as flores, plantas, animais de estimação e outros elementos naturais que habitam as casas das pessoas, já foram previamente escolhidos e muito provavelmente foram escolhidos por causarem sensação de bem-estar aos seus proprietários. Eles podem ter sido (ou virem a ser) selecionados por uma gama de fatores, que vão desde padrões estéticos a graus mais profundos de relacionamento e conexão. Quero dizer com isso que uma orquídea, por exemplo, pode ser considerada uma bela flor decorativa para uns, algo que é uma fonte de cuidados para outros, ou ainda, ambas as características podem ser consideradas por uma mesma pessoa. E as possibilidades não se esgotam aí. Este, portanto, parece ser um aspecto que também deve influenciar os possíveis benefícios da sua contemplação, a partir de uma relação de conexão existente que merece ser investigada.
A conexão parece constituir um elemento-chave neste processo contemplação-efeitos restauradores. Neste momento conduzimos um estudo sobre natureza em ambientes internos e temos visto um considerável grau de dificuldade dos participantes em experimentar ou demonstrar seu relacionamento com a natureza, cuja razão ainda não conseguimos compreender apropriadamente.
Tenho uma amiga cardiologista que durante um ano fotografou flores em seu caminho. Um dos aspectos que ela ressalta nesse projeto é o chamado olhar apreciativo que explana afirmando que é o encontro do olhar com elementos que aqueçam o coração e produzam assim, um bem-estar. No cenário atual, ela continuou a discutir a importância desse olhar apreciativo em grupos de Whatsapp e recebeu centenas de imagens de natureza que os integrantes registraram ao seu redor e compartilharam como sendo uma experiência prazerosa. Eu mesma, durante o isolamento, passei a observar muito mais as flores e plantas da minha varanda, e para não perder o costume, os pássaros que se avizinham, como também revisitei meu acervo fotográfico de vida selvagem inúmeras vezes. A cada foto, percebo que reside ali, uma linguagem estética, mas também, uma história diante dos meus olhos, um encontro significativo com outro ser, uma saudade em um ano sem viagens e uma esperança de um “em breve”. Há uma conexão que segue em mim, mesmo em um mundo aparentemente em suspensão. Por isso, penso que é válido o convite que o artigo apresentado sustenta: olhar, contemplar, relaxar, ainda que em ambientes internos.
A foto deste post foi feita durante a pandemia, é uma flor de maio que me acompanha há muitos anos. Além de achá-la linda, ela transmite para mim delicadeza, suavidade, guarda história, presença e memórias. E como diz a minha amiga (que também tem nome de Flor) ela, sem dúvidas, aquece meu coração, e em tempos difíceis, mais ainda.
Referência
Jo H, Song C, Miyazaki Y. Physiological Benefits of Viewing Nature: A Systematic Review of Indoor Experiments. Int J Environ Res Public Health. 2019 Nov 27;16(23):4739. doi: 10.3390/ijerph16234739. PMID: 31783531; PMCID: PMC6926748.
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